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Quando não há mais nada a fazer, ainda há muito a ser feito. Foi o que descobriu a aposentada Anna Castilho quando seu marido, Joviniano Castilho, sofreu um acidente vascular cerebral, em 2006, e entrou em coma. Depois de dois meses de tratamento, Anna ouviu um prognóstico desanimador: não havia esperança para o homem com quem estava casada havia seis décadas. Ao fim de uma peregrinação por quase 20 endereços, ela encontrou o Premier Residence Hospital, em São Paulo, que abriga 61 dos pouco mais de 300 leitos especializados em cuidados paliativos do Brasil. Ali descobriu o quanto ainda poderia ser feito. “Em latim, pallium significa manto”, explica a voz suave de Anna. “Imagine uma mãe envolvendo uma criança: o palio é esse manto, a proteção. Isso é o tratamento paliativo”. Assista ao depoimento em vídeo de Anna.

O desconhecimento que afligia Anna acerca desse tipo de cuidado é o mesmo que afeta boa parte da população e também a classe médica. “Na faculdade de medicina não se fala nem na morte, quanto mais em tratamento paliativo”, observa a oncologista Dalva Matsumoto, especialista na técnica. “Com a evolução da medicina e da tecnologia, a morte passou a ser vista como um fracasso pessoal do médico e não como um capítulo natural da vida.” É por isso que, diante de pacientes terminais, muitos médicos avisam que não há nada a fazer. Os paliativistas pensam o contrário. Uma de suas preocupações é garantir a qualidade de vida a quem está na iminência da morte. Assista ao vídeo com profissionais que adotam práticas paliativas.

Com uma série de técnicas que vão desde a fisioterapia, até o a diminuição de determinados medicamentos, passando pelo uso de opióides eles conseguem, por exemplo, eliminar dores, melhorar a respiração e controlar náuseas. Os pacientes são estimulados ainda a fazer, dentro dos limites físicos de cada um, todas as coisas que lhes dão prazer desde comer uma macarronada até passear ao ar livre ou beber um copo de cerveja. Quando a doença dá um descanso, são mandados para casa. “É sempre melhor estar rodeado por quem amamos, seja durante a vida ou na hora da morte”, diz a psicóloga Debora Genezini. Por estarem bem assistidos, esses pacientes raramente morrem em agonia. A família é uma peça-chave. Além de ser estimulada a ficar perto do doente, recebe um tratamento paralelo, com o objetivo de compreender e aceitar a perda. “O processo de luto começa antes e continua depois da morte”, ensina Débora. “A família é acompanhada até que possa ser reintegrada e dar continuidade à própria vida”.

Além de médico e enfermeiro, uma equipe paliativa engloba fisioterapeuta, psicólogo, fonoaudiólogo, nutricionista, dentista, capelão, cuidadores – pessoas contratadas para ficarem 24 horas ao lado dos doentes – e qualquer outro profissional que possa trazer bem-estar ao paciente. São médicos da pessoa inteira, como têm orgulho em afirmar. O cuidado não contempla só pacientes terminais. Deve ser oferecido a todos os chamados “portadores de doenças potencialmente mortais”, como o câncer, e começa a ser aplicado no momento do diagnóstico, período em que o objetivo principal é a cura. “No início, o cuidado paliativo é um complemento ao tratamento convencional”, explica o cardiologista Ricardo Tavares de Carvalho. “O cuidado vai aumentando de acordo com a intensificação da doença, mas os dois tratamentos continuam juntos até o fim”.

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Os paliativistas avaliam permanentemente a questão risco-benefício. Um paciente com insuficiência renal não necessariamente será submetido a uma diálise, tampouco a quimioterapia será obrigatoriamente o caminho para quem está com câncer. “É preciso saber se aquele tratamento invasivo trará o benefício esperado”, explica Carvalho. “Em um paciente terminal, a quimioterapia pode simplesmente trazer mais dor”. A equipe médica, os familiares e o paciente decidem em conjunto quando é hora de parar. “A decisão técnica é do médico”, conta Carvalho. É ele quem pode dizer se uma cirurgia é ou não recomendada. Mas existem os aspectos subjetivos: o paciente pode argumentar que quer passar por aquele tratamento porque conseguirá, por exemplo, despedir-se de um filho que mora no exterior e que só poderá chegar dentro de duas semanas. “Nenhum procedimento é proibido. Se prolongar a vida por mais algum tempo tem um significado, isso pode ser feito”, conta o cardiologista.

Idealizado pela médica inglesa Cicely Saunders na década de 1960, o tratamento paliativo ainda engatinha no Brasil. Para ser comparável ao modelo britânico, por exemplo, teria de oferecer 30 vezes mais leitos, saltando dos atuais 300 para 9.000. A despeito da fundação da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, há cinco anos, os profissionais ainda lutam para dissociar esse tratamento da prática da eutanásia e vencer o preconceito dos próprios médicos com relação ao uso de opióides, essenciais para o alívio da dor extrema. Em abril, porém, ganharam um poderoso aliado: o novo Código de Ética Médica, que não apenas reconhece a prática mas também a recomenda.

O texto é considerado fundamental por afirmar que existem situações nas quais não existe reversibilidade e porque retira do médico o poder supremo sobre o doente. “É o resgate de uma relação”, acredita Lucineide Souza, chefe de enfermagem do Hospital Premier. “Infelizmente, hoje, o médico deixou de examinar o paciente, apoiando-se sempre em exames, e o enfermeiro não presta mais atenção a ele, concentrando-se em relatórios”. Saber que, mesmo quando não há mais nada a fazer, ainda há muito a ser feito é essencial numa sociedade com cada vez mais idosos, mas que, simultaneamente, continua obcecada pela eterna juventude.

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